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É com profunda consternação que a Renault Portugal recebeu a notícia do falecimento de Joaquim Moutinho.

Um piloto, mas também um homem extraordinário. O primeiro piloto a defender as cores oficiais da Renault e também o primeiro a conquistar as primeiras vitórias e títulos: 1985 e 1986, ambos com Edgar Fortes como navegador, e ao volante do saudoso Renault 5 Turbo, o “amarelinho” da Renault que tantas emoções e espetáculo proporcionou.

Com sua morte, o desporto automóvel nacional perde uma das suas maiores referências.

À Família, a Renault Portugal apresenta as mais sentidas condolências.

Até sempre e obrigado Joaquim Moutinho!

O desporto automóvel está mais pobre com a partida do piloto Joaquim Moutinho, cuja carreira ficou intimamente ligada à Renault. O piloto portuense, que ficará para sempre na história por se ter tornado o primeiro português a vencer uma prova do Campeonato do Mundo de Ralis, colecionou “estórias” e momentos memoráveis que vale a pena recordar. Sabia, por exemplo, que Joaquim Moutinho só conseguia tirar total partido do Renault 5 Turbo porque tinha… um pé gigante? E que quando foi contratado pela Renault não ficou, digamos, totalmente confortável com a situação? Hora de relembrar o carismático piloto, que deixará, no desporto motorizado português, um vazio difícil de preencher…

Uma breve pesquisa no Google permite rapidamente encontrar o nome de “Joaquim Moutinho”. Meia dúzia de artigos, não fazem, contudo, justiça à grandiosidade do nome que marcou indelevelmente o desporto automóvel português, e, um dia, em circunstâncias muito especiais, extravasou também além-fronteiras, para inundar os jornais e os telejornais internacionais, com a primeira vitória de um piloto português numa prova do Campeonato do Mundo de Ralis e logo ao volante de um Renault!

Um feito que, 33 anos depois, não se apaga da memória, como na reminiscência eterna ficarão gravadas as recordações de um piloto que tão meritoriamente representou as cores da competição da Renault em Portugal nos anos 80. Aos 67 anos, e após doença prolongada, Joaquim Moutinho partiu, mas deixou um legado de inquestionável valor desportivo, pelo menos tão grande como a determinação e hombridade que o caracterizavam e com que sempre soube encarar a vida, tanto nas vitórias como nas derrotas, fossem elas desportivas ou empresariais, num mundo que, paralelamente, também abraçou.

Talento para lapidar

Joaquim Moutinho despertou cedo para o “bichinho” dos automóveis. Tinha apenas sete anos quando foi surpreendido a manobrar o carro da sua mãe, dois anos antes de receber um kart como prenda da conclusão da “primária”, que não tardou a explorar de forma hábil no circuito de São Caetano, em Vila Nova de Gaia. Foi aí que lapidou as bases do seu talento e que começou a viver de forma intensa a paixão pela adrenalina do desporto automóvel e a ficar “viciado” no cheiro a borracha queimada.

O salto para os automóveis foi inevitável e, com pouco mais de 20 anos, o passo lógico para se estrear nas competições, logo com uma história para gravar na memória! Ao volante de um Datsun 1200, terminou num promissor quarto lugar o seu primeiro rali, depois de ter sido ultrapassado por um adversário mais forte em pleno troço e ter feito das palavras do seu navegador Edgar Fortes – “ou consegues ir atrás dele ou não consegues e vamos para casa” -, um hino à determinação, temeridade e destreza, que lhe haveria de servir de inspiração para o resto da carreira.

De resto, os resultados dessa conjugação de fatores aliado à aptidão inata para o volante não se fez esperar e Joaquim Moutinho começou a colecionar sucessos, onde o triunfo no competitivo Troféu Datsun 1200 (1972) e o título de Campeão Nacional de Velocidade (1981), num Porsche de Grupo 5, foram apenas dois passos importantes no caminho da glória, antes de… se tornar piloto oficial Renault!

Com a Renault… ou vai… ou racha!

Foi com a Renault que o piloto do Porto viveu os mais emblemáticos anos da sua carreira, numa relação profícua com a então recém-criada equipa “Renault Galp”. Mesmo se com algumas reservas iniciais acerca da fiabilidade do Renault 5 Turbo com que foi convidado a “atacar” o título no Campeonato Nacional de Ralis em 1984 (o modelo tinha sido desenvolvido fundamentalmente para pisos de asfalto), Joaquim Moutinho aceitou defender as cores da equipa da Renault Portuguesa, até mesmo depois do desafio pragmático lançado pelo responsável máximo da equipa, que implicava assumir as culpas caso a sua rapidez não fosse suficiente para vencer ralis, do mesmo modo que a equipa de mecânicos assumiria o ónus da responsabilidade do insucesso do projeto, se o R5 Turbo não se tornasse “inquebrável”!

E não foi preciso esperar muito para que o binómio Joaquim Moutinho/Renault 5 Turbo se começasse a afirmar, contabilizando, no primeiro ano, seis vitórias e só não registando o título absoluto devido a uma manobra de sabotagem vivida na última prova da época, o Rali Lois Algarve.

Nos dois anos seguintes, em 1985 e 1986, sempre na companhia do navegador Edgar Fortes e cada vez mais familiarizado com o “amarelinho” da Renault, Moutinho assegurou o bicampeonato, somando mais nove triunfos na sua contabilidade pessoal e elevando para um total de 16 vitórias, o número de sucessos pessoais e do Renault 5 Turbo no Campeonato Nacional de Ralis, soma que, ainda hoje merece o respeito de todos os apaixonados pela modalidade.

Mas, não desmerecendo os dois títulos, a página mais dourada da vida desportiva do campeão Joaquim Moutinho escreveu-se a 8 de março de 1986, quando se tornou o primeiro português a vencer uma prova do Campeonato do Mundo de Ralis, num triunfo com sabor agridoce. É que a vitória surgiu apenas depois do fatídico acidente da Lagoa Azul, que motivou o abandono, em bloco, das principais equipas do “Mundial de Ralis”, e que deixou a porta do trunfo aberta para Moutinho, mas não interferiu na dignidade do piloto, que sempre qualificou a vitória mais como uma “chegada em primeiro lugar” do que propriamente um triunfo.

Independentemente do sabor dessa vitória, certo é que Joaquim Moutinho marcou diversas gerações de pilotos, contribuindo para incrementar a competitividade do Renault 5 Turbo nos ralis, dando, de resto, sequência à tradição do bom nome da Renault nos ralis, que, na década de 60, já tinha visto o seu atrevido Renault 8 Gordini brilhar também nos ralis nacionais, pelas mãos de outros pilotos de referência como Carpinteiro Albino e José Lampreia.

Tirar partido do R5 Turbo… só calçando 45 ½!

Para Moutinho, contudo, o Renault 5 Turbo sempre reservou um lugar especial no coração e, verdade seja dita… no pé direito também! É que, o piloto chegou a afirmar que um dos segredos para ser competitivo com o exigente carro (cuja entrega dos 300 cavalos de potência era feita de forma bruta e não anunciada) era calçar 45 ½, o que lhe permitia usar uma apurada técnica de pilotagem – pisar, com o mesmo pé e em simultâneo, o pedal do acelerador e do travão – , o que permitia manter sempre o turbo em carga, mesmo nas curvas mais lentas onde era necessário reduzir substancialmente a velocidade.

Mas apesar de todas as boas recordações deixadas pelo Renault 5 Turbo, acabou por ser precisamente o incêndio que o consumiu, no Rali dos Açores de 1986, que motivou o final da carreira desportiva de Joaquim Moutinho, que, nesse dia, tomou a decisão de abandonar as competições.

Cerca de 20 anos depois, o ex-Campeão Nacional de Ralis, ainda vestiu uma última vez o fato de competição, calçou as luvas e colocou o capacete para experimentar o Renault Clio S1600 da equipa oficial da Renault, então habitualmente conduzido por Pedro Matos Chaves. Um exercício, meramente lúdico e fora do âmbito da competição, mas que lhe permitiu constatar a notável evolução geracional dos Renault preparados para ralis, que, contudo, e como constatou na altura, tinha algo em comum, o mesmo “aguerrido” ADN!

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Como recorda Pedro Matos Chaves, “o Joaquim Moutinho marcou-me desde que eu fui comissário de pista no Circuito de Vila do Conde. A Renault é Joaquim Moutinho e Joaquim Moutinho é Renault. O dia em que guiou o meu Clio S1600 foi memorável para mim e, estou certo, que também para o Joaquim Moutinho. Foi em 2004, no dia a seguir ao Rali de Portugal e quando o Joaquim Moutinho veio ter connosco quis logo saber tudo sobre o carro, como se podia afinar a suspensão, a repartição de travagem, etc. A sua postura era como se fosse disputar um rali. Ou seja, tantos anos depois, mantinha o entusiasmo de sempre. Por ele passava lá o dia todo, porque o que queria era rapidamente descobrir e andar nos limites do carro. Para mim foi uma enorme honra ele ter andado ao meu lado e eu ao lado dele, confirmando que o seu imenso talento e virtuosismo continuavam lá. O desporto automóvel nacional está muito mais pobre com o seu falecimento”.

Memórias que Joaquim Moutinho fez questão de preservar, com a mesma intensidade que todos os seus adeptos e admiradores dele para sempre se recordarão.

Obrigado e até sempre Joaquim Moutinho!